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28/07/2018 Desenvolvimento Humano

O fim do coaching

Gosto muito de conversar com motoristas de táxi ou Uber em minhas andanças pelo Brasil.

Além de amar gente – um cacoete da minha área de atuação – considero esta atividade uma saudável prática antropológica. Nela sempre me deparo com recortes das ricas culturas locais e, ao mesmo tempo, aprendo um pouco mais sobre as pessoas e como estas interpretam a realidade em que estão inseridas.

Neste contexto, curiosamente tenho me deparado com vários motoristas que dizem: – Ah, você é coach? Eu também sou!

Criada a empatia profissional, a conversa começa logo a fluir e, via de regra, estes me contam como fizeram um curso nesta ou naquela instituição e (em busca do que lhes foi prometido) tentaram atuar como profissionais da área.

Relatam também com entusiasmo o quanto ganha um coach por cada encontro, apesar deles mesmos nunca terem conseguido transpor a fase do atendimento pro bono (sem cobrar).

Nestes momentos busco aprofundar a questão, tentando entender quantos cursos ou formações estes já realizaram e quanto investiram em suas capacitações (tempo, estudo e recursos) ou qual é o plano que desenvolveram para atuar nesta carreira.

E a resposta é sempre a mesma: – Na verdade só fiz um curso e aí, como não consegui obter o retorno deste investimento que me prometeram, parei de estudar ou investir.

Percebe-se que hoje no Brasil a profissão de coach vem sofrendo um forte abalo em sua credibilidade, justamente por conta deste padrão que se estabeleceu. São instituições que prometem mundos e fundos e entregam fundos e mundos. São também pessoas que se jogam nesta profissão movidas por um sentido de oportunidade financeira ou busca de glamour pessoal, tentando espelhar os mentores das organizações em que estudaram.

São milhares de pessoas que fazem apenas um curso de dois finais de semana e que, sem sequer se dedicar a estudar outros temas correlacionados, saem com sua pastinha de ferramentas tentando “ganhar dinheiro” e estabelecer sua reputação profissional.

Logo estes se deparam com a dura realidade na qual percebem que não é tão simples ou fácil viver de coaching, pois o mercado e as pessoas não querem pagar por aquilo que não veem valor.

Então, observa-se hoje uma grande evasão de pessoas que apenas passam pelo mercado de coaching e que não conseguem perdurar, mas que, em sua breve passagem, fazem um grande estrago para a reputação da área. Atualmente, piadas grosseiras já circulam nas redes sociais, afirmando que o coach é o cara que não deu certo em nada e que agora quer ganhar a vida resolvendo a vida dos outros.

Por isso, em nossa formação sempre prometo já no início: – Todos vocês serão coaches, mas nem todos vocês trabalharão na área do coaching.

Para mim, ser coach significa mudar o padrão de sua mente da tendência de fazer afirmações (padrão do consultor) para a habilidade de fazer perguntas. E este padrão é benéfico para todas as áreas de nossa vida, podendo ser útil no trabalho, no casamento, na educação dos filhos e em liderança, algo que toda a formação na área pode promover. Até para dirigir Uber ele faz a diferença, pois um desses motoristas tinha toda a sua atuação pautada em planilhas e pontos chaves para obter resultados superiores com seu trabalho.

Porém, para trabalhar na área de coaching é preciso mais. É preciso antes de tudo um compromisso real e durável com a sua própria capacitação e com a missão de fazer a diferença na vida das pessoas.

Afinal, nas palavras de Viktor Frankl, “quem tem um porquê enfrenta qualquer como”.

Quando a missão é forte – sendo ela o nosso porquê ou Ikigai – passamos a entender que não importa quais sejam as dificuldades, pois elas serão superadas para que possamos alcançar nosso objetivo e viver nosso propósito. E todo coach de verdade reconhece em si o desejo de fazer a diferença na vida dos outros, sendo esta a verdadeira razão que o mobiliza e o faz persistir.

Vale lembrar que coaching é uma profissão e, como qualquer outra, demanda a formação de bases técnicas e comportamentais sólidas para que seja possível viver dela. Ou, como se diz no mercado de RH, é preciso ter a CHAVE: Conhecimentos, habilidades, atitudes e visão estratégica.

Em qualquer profissão que se inicia do zero isso tende a levar no mínimo de seis a dez anos para começar a acontecer. Mas no mercado de coaching as pessoas, de forma bastante imatura, pensam que vai acontecer em apenas seis meses.

Por isso, se você realmente quer ser um coach, compreenda em primeiro lugar que esta é uma carreira que depende principalmente de seu propósito e não de sua ambição financeira.

Em segundo lugar, perceba que deve estar preparado para um compromisso de longo alcance, criando meios alternativos para viver da profissão enquanto ela não decola. Facilita e acelera se seu trabalho for orientado para a área de educação corporativa, palestras ou consultoria, áreas que estão coligadas com o coaching e se retroalimentam.

Em terceiro lugar, viva os conceitos da filosofia Ikigaiame o que faz, seja muito bom no que faz (excelência) para então buscar ser bem remunerado pelo que faz. Mas, como ensina esta filosofia, tudo só será sustentável e fará sentido se no final do dia você perceber que o que faz transforma o mundo a sua volta em um lugar melhor.

Se você sente que ser coach é o seu Ikigai, não tenho a menor dúvida que você será um dos poucos que sobreviverá e se destacará neste mercado que tem enorme valor e potencial, mas que está se perdendo pela atuação de quem só pensa nos resultados financeiros ou no quanto esta profissão agregará para a sua imagem.

Insista, persista e nunca desista.

Mas sempre aprenda e transforme a sua jornada em uma grande oportunidade de aprendizagem e num ato de compartilhamento de seus talentos.

Você e o mundo só têm a ganhar com isso.

Colaboradores

Eduardo Almeida

edu@cgrp.com.br